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Ruan Sousa: Sérgio do país das maravilhas, acorda!

9 abril, 2021

Às vezes é difícil saber em qual país Sérgio Camargo vive, a cada declaração dele a certeza de que não é no Brasil só aumenta. Ele fala que o racismo é episódico num país em que, só em 2018, 75% das pessoas vítimas de homicídios eram negras, onde mulheres negras lideram os índices de feminicídio com uma assombrosa estatística de 68% em 2018, onde, em 2017 cerca 63,3% dos presidiários eram negros, no qual, em 2020, no Rio de Janeiro, foram registradas 22 crianças negras BALEADAS e oitos mortas. Foram citados apenas alguns fatos que tiveram um certo destaque na mídia para que vejamos que essas brutalidades atingem pessoas específicas.

Falamos muito da violência policial, porque, de fato, não há como não falar, e outras ações brutais que atingem as pessoas negras diariamente, mas falamos pouco de violências simbólicas que atingem esses corpos. Epistemicídio, hiperssexualização, a negação do direito à individualidade, entre outros, são exemplos dessas violências, e uma em particular nos chama atenção: o racismo recreativo.

Adilson Moreira nos diz em seu livro “Racismo Recreativo (2019), “o racismo recreativo almeja preservar um sistema de representações culturais que legitima a dominação branca por meio da desqualificação sistemática de minorias raciais”, ele descreve bem a comparação extremamente pejorativa que Rodolffo, cantor e participante do BBB21, fez do cabelo de João Luís, geógrafo e também participante do BBB21, com o uma peruca de “homem das cavernas” (objeto com aspecto de mal cuidado), numa tentativa de fazer piada e inferiorizar o “brother”.

Muitas pessoas falam que Rodolffo é do interior, que não teve acesso à informação, dentre outras desculpas que são comumente utilizadas quando o pacto narcísico da branquitude entra em ação, mas não nos deixemos levar por essas asneiras, pessoas brancas precisam se educar racialmente, pois, como disse Grada Kilomba, “o racismo é uma problemática branca”. Não dá pra esperar tudo nas mãos, negros e indígenas não podem ser professores raciais para quem se acomoda dessa forma, estamos cansados de falar o tempo todo sobre como essas violências nos agridem diriamente e sermos tachados de “mimizentos”, ou, recentemente, chamados de “Lumena”.

O racismo recreativo, aliado às táticas dos brancos de se isentar dos privilégios que o sistema racial lhes proporciona, quando não nos mata diretamente, ceifa pouco a pouco nossa integridade e dignidade, limitando, assim, os espaços que deveríamos ocupar. E o mais doloroso nisso, tudo talvez seja o fato de Sérgio Camargo, um homem negro, partilhar de um pensamento que nos maltrata e mata cotidianamente. Bem sabemos que a branquitude diz respeito a uma ideologia e não apenas a ações diretas de um corpo branco, e por isso algumas pessoas negras fazem o uso desse pensamento num processo de auto negação da realidade, de si mesmas e dos/das seus/suas companheiros/as de cor. Alguns são cúmplices, agentes, enquanto outros são inimigos diretos do racismo. Mas o que de fato sabemos é que, cada vez que uma pessoa negra compactua a com a branquitude, um, dois ou três passos para trás são dados, não porque o movimento negro falhou, mas porque nós não temos direito a individualidade e acabamos respondendo coletivamente por causa de uma sociedade que nos generaliza e acaba nos fazendo cúmplices de atitudes individuas de pessoas que tem como único ponto de encontro conosco a cor. Como dizia Steve Biko: tão perigoso quanto o branco para a revolução racial é o negro que está mais preocupado em ser incluído em um sistema opressor do que contribuir na continua construção de uma luta negra. Aquilo que Sérgio Camargo chama de vitimismo, nós chamamos de luta pelo básico: direito de viver com dignidade.

 

Ruan Sousa é graduando em Artes Visuais/UFRB, bolsista de Iniciação Científica – CNPq e coordenador de comunicação da UJS/UFRB.

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