0,55%. Foi esse o percentual de votos que Jerônimo Rodrigues (PT), candidato a governador da Bahia, faltou para conseguir vencer a eleição já no primeiro turno, ocorrido no dia dois deste mês. Com um desempenho surpreendente, o ex-secretário estadual de Educação conquistou 49,45% da preferência do eleitorado baiano, contra 40,80% do adversário, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (União Brasil), que liderava a grande maioria das pesquisas de intenção de voto. A expectativa, agora, é que o segundo turno confirme a preferência do estado pela continuidade do projeto liderado pelo PT há 16 anos.
O resultado do primeiro turno reforçou uma má fama que têm os levantamentos sobre a disputa ao governo da Bahia. Não é a primeira vez que candidatos considerados favoritos não confirmam a predileção nas urnas. Foi assim em 2006, quando Paulo Souto, do então PFL, aliado da família de ACM Neto, perdeu a eleição já no primeiro turno para Jaques Wagner (PT), mesmo com todos os estudos apontando exatamente o contrário. O mesmo se repetiu em 2014, quando Souto foi novamente derrotado, dessa vez pelo sucessor de Wagner, Rui Costa (PT), atual governador.
Neste ano, ACM Neto aparecia como vitorioso no primeiro turno até mesmo na pesquisa divulgada um dia antes do pleito, pelo Ipec (antigo Ibope). Segundo o instituto, o candidato tinha 51% dos votos, contra 40% de Jerônimo. O acerto do Ipec foi apenas em relação ao crescimento do candidato do PT, que, no levantamento de agosto, aparecia com 28%, contra 54% do ex-prefeito de Salvador. Para o segundo turno, os estudos do instituto estão apontando uma redução no percentual de votos de Jerônimo, que teria 48% das intenções, contra 44% do adversário. O resultado significa empate técnico, porque está dentro da margem de erro, que é de três pontos.
Os números apresentados são criticados pelos apoiadores de Jerônimo. Em uma entrevista para a rádio Metrópole, logo após o primeiro turno, o ex-governador e agora senador Jaques Wagner defendeu que é preciso rever os métodos com que são realizadas as pesquisas na Bahia. “Não vou acusar ninguém de manipulação. É gozado que erram quase o mesmo erro. A distância de um para o outro é a mesma. Acho que é mesmo uma questão de metodologia, de métrica”, disse.
‘Afroconveniência’
Ao que tudo indica, apesar das críticas da situação, o mais prejudicado com a inexatidão dos levantamentos foi ACM Neto, que, com os números lhe favorecendo, entrou em um clima de ‘já ganhou’. Só participou de apenas um debate – o último, na TV Bahia, emissora afiliada à TV Globo e ligada à família do candidato – e ignorou polêmicas da campanha, que foram muitas. Uma das principais foi a autodeclaração negra que fez à Justiça eleitoral. Ele e a candidata a vice, Ana Coelho (Republicanos), foram duramente criticados pela insistência em dizer que são pardos, mesmo sendo lidos como brancos.
Quando questionado, ACM Neto insinuava que estava sendo impedido de se declarar como realmente se via e também criticava até o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em uma entrevista à TV Bahia, por exemplo, o candidato disse: “Você pode me colocar ao lado de uma pessoa branca e há uma diferença bem grande. Negro, não. Não diria isso, jamais!”. O apresentador então afirmou que o IBGE considerava que os pardos eram negros e ouviu o seguinte: “Então o erro é do IBGE, não é meu”. A autodeclaração da dupla gerou revolta no estado, composto por cerca de 80% de pessoas negras.
O termo ‘afroconveniente’ foi colado no candidato do União Brasil e pegou, ainda mais quando se deu conta que a autodeclaração negra garante cota na distribuição dos recursos do fundo eleitoral. A pressão foi enorme, e Ana Coelho, candidata a vice, se viu obrigada a pedir a retificação da informação junto à Justiça eleitoral, mas ACM Neto não cedeu. Passou a ser visto cada vez mais bronzeado nas atividades públicas, o que levantou suspeitas de que estava fazendo procedimentos de bronzeamento artificial, como forma de sustentar a justificativa de que não era branco.
‘Tanto faz’
Outra polêmica em que o ex-prefeito de Salvador se meteu foi em relação à disputa presidencial. No primeiro turno, decidiu não manifestar apoio a nenhum dos candidatos à presidência da República e seguiu defendendo que ‘tanto faz’. Ele foi cobrado pela neutralidade, justamente porque votou em Jair Bolsonaro em 2018 e o presidente tem uma forte rejeição a Bahia, ante uma popularidade de Lula, que conquistou quase 70% dos votos no primeiro domingo deste mês. Líder nas pesquisas, ACM achou que não precisaria satisfazer a curiosidade do eleitorado sobre o seu voto para presidente.
Neste segundo turno, o adversário de Jerônimo tem insistido na postura neutra, mas tem sofrido cada vez mais pressão para declarar apoio a Bolsonaro, como forma de conquistar os votos de João Roma (PL), aliado do presidente que ficou em terceiro lugar na disputa pelo governo da Bahia, com 9% dos votos. “Estarei pronto para governar com o próximo presidente que o Brasil venha escolher também no dia 30 de outubro. Saberei construir as pontes”, disse ACM Neto, que vai participar, nesta semana, de um ato com bolsonaristas em Porto Seguro, no litoral sul do estado, com a presença da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Na semana passada, durante uma entrevista a um podcast, o presidente Bolsonaro afirmou que apoia ACM Neto.
O apoio de João Roma e Bolsonaro não tem conseguido conter, no entanto, um movimento de debandada de prefeitos da oposição para a campanha de Jerônimo. Desde o início do segundo turno, diversos gestores, junto com outras lideranças municipais, estão declarando apoio ao PT, provavelmente pelo bom e inesperado desempenho do ex-secretário nas urnas. Já são mais de 20 prefeitos a mais ao lado de Jerônimo, entre eles, Adriano Lima (PP), de Serrinha, que, no primeiro turno, era apoiador de João Roma.
Lula e Rui
O destaque da candidatura de Jerônimo Rodrigues, que nunca tinha disputado a um cargo eletivo antes, conta não só com a força de Lula na Bahia, mas também com a do atual governador Rui Costa, cuja gestão é bem avaliada pelos baianos e baianas. Rui tem sido uma peça-chave nas articulações para aumentar ainda mais a base de apoio à candidatura do PT, neste segundo turno. “Política se faz na coletividade, projetos pessoais de poder não prosperam na Bahia. É por isso que cada novo apoio é muito bem-vindo em nosso grupo”, afirmou o governador, em uma recente entrevista. As articulações do grupo já garantiram também o apoio de Kleber Rosa, do Psol, quarto colocado na disputa.
Outro foco que tem sido dado pelas campanhas ao governo da Bahia é aos votos brancos e nulos, que, no primeiro turno, tiveram médias acima do que foi registrado no cenário nacional. Foram 5,4% de votos nulos no estado, contra 2,82% da média do país; em relação aos votos brancos, foram 2,67 na Bahia e 1,59% no Brasil. O eleitorado baiano é de 11 milhões de pessoas, espalhadas por 417 municípios.
Apesar da intensa corrida dos dois candidatos, o segundo turno deverá confirmar a preferência do povo baiano à candidatura de Jerônimo Rodrigues. Pelo menos é o que mostra um recente estudo do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV-SP, divulgado pelo jornal Folha de São Paulo, no último dia 13. A chance de o candidato do PT derrotar ACM Neto é de 81,4%. A possibilidade de vitória do ex-prefeito de Salvador é de apenas 18,6%.
Além de eleger Jerônimo, o PT e os partidos aliados querem ainda aumentar a votação de Lula no estado, neste segundo turno. “Nós vamos ampliar muito a votação de Lula na Bahia, podem escrever. Ele bateu quase 70% dos votos válidos no primeiro turno aqui. No segundo turno, ele se aproximará de 80% dos votos válidos”, garantiu o governador Rui Costa, durante uma coletiva de imprensa.