Os recentes casos de racismo no futebol, que resultou na campanha “Somos todos macacos”, foram analisados pela secretária nacional de Combate ao Racismo do PCdoB, Olívia Santana, que também preside o Comitê Municipal do Partido em Salvador, em um artigo batizado de “Não me venham com bananas e macacos!”. No texto, Olívia critica a campanha e os atos racistas, e defende que a FIFA deve determinar que os clubes de futebol desenvolvam ações para coibir o racismo.
A ideia do artigo surgiu, segundo a secretária, a partir de uma conversa com o integrante do Comitê Central e ex-deputado constituinte Haroldo Lima. Os dois acreditam que também deve ser de todo comunista a luta por uma sociedade não-racializada. Confira na íntegra.
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Não me venham com bananas e macacos!
*Olivia Santana
Reconheço a intenção antirracistada campanha “Somos todos macacos”, deflagrada após Daniel Alves ter comido a banana que um torcedor xenófobo lhe atirou em campo, quando ele se preparava para cobrar um escanteio, no último jogo do Barcelona contra o Villareal. Contudo, tem ela uma limitação intrínseca. Procura responder ao ultraje, incorporando-o.
É contra negros que se lança o epíteto de “macacos” e o refrão – “somos todos macacos” – independente das boas intenções, não pode ser assumido pelos negros, porque, se assim o fizéssemos, estaríamos aceitando o velho preconceito de nos associar ao ser humano incompleto, o primitivo, o que está mais próximo dos símios na cadeia evolutiva.
É crescente a onda de racismo no futebol. Há um recrudescimento desse sentimento retrógrado, que se dá em meio à crise econômica que assola o sistema capitalista do mundo, sobretudo nos países europeus, vergastados pelo desemprego inclemente. Nessa hora, impotentes ante o descalabro da crise, os setores mais reacionários, soltam seus demônios fascistas, racistas sobre o que imaginam ser a causa de seus infortúnios, os imigrantes em geral, os africanos e latinos, em especial. Incapacitados de identificar a natureza econômica e política de seus problemas voltam-se contra bodes expiatórios e vão buscar em teorias e práticas sepultadas pela história, mas não mortas, os motes racistas da agressão atual.
Os fatos lamentáveis que se multiplicaram este ano no Brasil, no Peru e na Espanha, sacodem os que ingenuamente pensam que a ascensão econômica por si só torna iguais negros e brancos. Os milhões de Neymar e de Daniel Alves catapultaram-nos para o mundo glamoroso dos muito ricos, quase todos brancos, mas não os blindaram da humilhação racista. À espreita, e dependendo do momento, alguém sempre estará a dizer: você não é um dos nossos.
Na história do futebol, como de resto na história humana em geral, “o inesperado faz suas surpresas”. De origem aristocrática, o futebol teve que aceitar o negro, na verdade, teve que se curvar a ele. O jeito próprio, a graça, a criatividade, a “catimba” fizeram do negro um artífice da arte de marcar gols.
Foi assim que surgiu a maestria do drible do “Anjo das Pernas Tortas”, do menino pobre que se fez gigante, ganhando duas Copas do Mundo (1958 e 1962), o imortal Garrincha, um dos maiores jogadores do século XX. E Thierry Daniel Henry, jogador negro a quem o Arsenal Inglês deve a conquista do Premier League, de forma invicta e apoteótica na temporada 2003/2004.
A coroa de Rei do Futebol não adorna a cabeça de nenhum inglês, espanhol, francês ou alemão, mas sim a de um negro brasileiro, nascido em berço pobre, no município de Três Corações, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Expressão elevada da vitória do negro no futebol, Pelé é isto, independente do que ele ache a respeito e da sua postura tíbia ante as agruras da sua raça. Instigado a se posicionar sobre os gritantes casos de racismo, declarou não saber de todos os casos, mas sobre o de Daniel Alves, considerou ser algo banal, sem importância. Aff…Sabe de nada, inocente! Como disse Romário, “calado é um poeta”.
Ganhar e perder faz parte de qualquer jogo. O problema é que, quando é nos pés do negro que a promessa de vitória não se realiza, muitas vezes a indignação do torcedor vira ira racista, posto que ele a tem latente, como subproduto do lixo que ficou da herança colonialista, escravista e, ainda por cima, da cultura de inferiorização que se sedimentou sobre os povos não brancos.
A situação exige mais que campanhas pontuais de enfrentamento ao racismo. Nenhuma instituição de futebol deve tolerar o racismo. A Fifa deve estabelecer regras objetivas e mecanismos de punição imediata que obriguem os clubes a combater atos racistas por parte de torcedores, comentaristas ou quem quer que seja. É preciso agir contra o racismo em nome de novos princípios civilizatórios.
Esse artigo resultou de uma boa prosa que tive com o amigo Haroldo Lima. Pensamos que deve ser parte da agenda de todo comunista a luta por relações sociais não racializadas. O que nos movimenta é o ABAIXO O RACISMO. O que nos une é que SOMOS TODOS HUMANOS!
*Olívia Santana – é Secretária Nacional do PC do B de Combate ao Racismo