Fui assistir ao filme Barbie. É óbvia a constatação de que é uma intervenção de mercado reposicionando o produto, também visível a imersão na cor rosa – sempre é bom lembrar que cor não tem gênero e há até por parte do setor da moda uma tendência a considerar que a cor rosa é uma cor básica. Então, não é um grave problema o excesso da cor rosa que algumas pessoas se dizem bem incomodadas. E mais, é também um fato que o filme Barbie ocupa grande parte das salas de cinema no Brasil, formando com o ótimo filme Oppenheimer uma dupla de filmes norte-americanos que praticamente baniu por pelo menos duas semanas outros filmes das telas do pais, incluindo os filmes brasileiros. Tem tudo isso e mais.
Mas vamos à percepção sobre o filme. A Barbie, que esteve no meu imaginário e de outras mulheres com pais com poder aquisitivo para adquirir a boneca e até das que não ganharam essa boneca para chamar de sua, mas que a conhecia por extensão (o meu caso) é alta, magra, loura, cheia de vestidos e sapatos altos. Ela recebe a denominação no filme de Barbie estereotipada. O filme segue a tendência de abrir caminho para a diversidade. São Barbies diversas: a negra, a oriental, a com deficiência, a grávida, a gorda, a cientista. E tem a Barbie estranha a que foi dada de presente a uma criança que destruiu seus cabelos e partes do seu corpo. Essa foi a versão da boneca que mais gostei, é a Barbie que no filme tem soluções para tudo, é solidária, determinada e inteligente. A ideia de buscar a diversidade da Barbie é algo interessante. O problema é que de forma intencional ou não é temerário que possa se transformar a Barbie no símbolo da mulher contemporânea em toda a sua diversidade e na qual milhares e milhares de crianças vão se inspirar.
Trazer o imaginário para mais perto da realidade é aceitável, mas o movimento contrário de fazer com que o imaginário inspire o mundo real me traz um estado de alerta sobre retroalimentação de padrões sociais, no geral conservadores. O retrato da humanização da Barbie é quando ela começa a pensar na morte, no mundo real a pessoa que dialoga com a boneca está infeliz e lhe passa esses pensamentos. Daí se desdobra na viagem até o mundo real, sair da Barbilândia aonde as mulheres estão no comando e os homens subordinados. Acontece que o mundo real é o mundo do patriarcado onde a mulher é subordinada ao homem. Qualquer iniciativa que ponha em foco o patriarcado, no meu entender é bem-vinda. É a tal coisa, precisamos falar sobre isso. Mas, óbvio não dá para considerar o filme com a expectativa de que defende a luta das mulheres contra a desigualdade de gênero. Nem seus produtores e diretora têm essa intenção. O filme expressa a oposição do patriarcado ao matriarcado e vice-versa. Ou melhor, reduz a uma luta entre gêneros que diverte algumas pessoas, mas não é uma perspectiva. O que se busca é equidade de gênero, ou seja acabar com o patriarcado e construir uma sociedade aonde as mulheres e os homens estejam lado a lado compartilhando a vida e decidindo. Para isso, é necessário que mais mulheres estejam em espaços de decisão e poder, mas não se trata de reproduzir o mesmo padrão de opressão. Por outro lado, a humanização de Barbie me passou uma idéia de que reproduz também padrões de que a mulher pra se realizar deve engravidar e parir. Mas isso é outro tema.
Por fim, o filme é dirigido pela extraordinária Greta Gerwig que também dirigiu Larry Bird e Adoráveis Mulheres, estão em plataformas de streams. Eu adorei as músicas. Não é a toa que Chris Martin (sou fã), de Coldplay, anda interpretando algumas delas ( pode até ser marketing do filme, mas ele não faria isso se não fossem boas musicalmente)