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Artigo: “Um grito de liberdade no deserto”, por Everaldo Augusto

22 novembro, 2024
Escrito por Everaldo Augusto*

Desde o dia 17 de novembro estou na região de Tindouf, sudoeste da Argélia, no coração do deserto de Saara, visitando os campos de refugiados Sarauís, organizados pela Frente Polisário e supervisionados pela Agência de Refugiados da ONU.

Neste momento há duas delegações visitando estes campos, a nossa, de brasileiros, e uma outra, mais numerosa, de italianos. A composição de ambas é idêntica: sindicalistas, professores, militantes de esquerda, ativistas, todos solidários com a luta pela independência do Saara Ocidental, hoje sob ocupação do Marrocos.

A região foi habitada ao longo de séculos pelos sarauís, um povo resultado da mescla de bérberes, árabes, africanos e autóctones nômades, que ali chegaram há dezenas de séculos. Aqui as línguas predominantes são o hassani, uma variante do árabe, e o espanhol, falado por quase todos, por conta da colonização espanhola, que durou até 1976.

A partir dos anos 60 do século passado a ONU tem reiterado o reconhecimento de autodeterminação do Saara Ocidental. Respaldados pelo direito internacional e legitimados por anos de luta e sofrimento, os sarauís, liderados pela Frente Polisário (Frente pela libertação do Saara Ocidental e Rio do Ouro) proclamaram em 1976 a RASD (República Árabe Sarauí Democrática).

Contudo, a Espanha, que já havia concordado a realizar plebiscito para decidir a autodeterminação do Saara Ocidental, recuou das suas intenções, não fez a transição necessária neste caso e, por meio de acordos e de interesses comerciais, abandonou a colônia em fevereiro de 1976 e incentivou logo em seguida a invasão do território pelo Marrocos no norte e da Mauritânia no sul.

Os primeiros anos após a saída da Espanha foram marcados por uma guerra sangrenta em duas frentes na qual os sarauís, liderados pela Frente Polisário, após cinco anos de batalhas, derrotaram a Mauritânia e, ao mesmo tempo em que mantinha a luta contra o Marrocos, retomou a exigência do plebiscito organizado pela ONU para decidir a independência ou não.

Entretanto, o Marrocos, com notável e desproporcional poder bélico e apoiado pela Espanha e França, impediu de todas as formas a realização da consulta decidida pela ONU.

Nos anos seguintes a Frente Polisário utilizou diversas formas de luta, combinando a resistência armada com a intervenção na arena internacional e organização dos movimentos sociais, enquanto
estruturava o Estado da república recém proclamada, sem perder de vista a realização do plebicito proposto pela ONU, já que este seria o instrumento para por fim ao conflito e marcar, finalmente, o reconhecimento pleno da República Sarauí.
Por exigência da ONU foi acordado um “cessar fogo”, como condição para a realização do plebiscito. Porém, a Frente Polisário acusa o Marrocos de inviabilizar completamente a consulta e desrespeitar permanentemente o “cessar fogo”.

Hoje o Marrocos ocupa a maior parte do território do Saara Ocidental e desencadeia perseguição violenta contra lideranças e civis, prisões arbitrárias, sequestros, expulsões e confisco de terras, animais e bens de sarauís. Há sérias denúncias e evidências que Israel tem aumentado o apoio ao Marrocos em armas, drones e técnicas de genocídio empregadas contra os palestinos. Diante dos frequentes ataques do Marrocos, do silêncio e da conivência internacional, a Frente Polisário retomou a resistência armada contra as tropas invasoras.

Em seguida falaremos do governo do Saara Ocidental, da organização dos acampamentos, do dia a dia das pessoas, da diáspora sarauí, das diversas frentes de lutas, das expectativas em relação ao governo Lula e outras importantes questões.

 

*Everaldo Augusto
Presidente da Fundação Maurício Grabois- Bahia
Viaja ao Saara Ocidental representando o CEBRAPAZ

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