O suicídio é um fenómeno complexo, um problema grave de saúde pública que requer a nossa atenção, mas, infelizmente, a sua prevenção e controle não são tarefas fáceis. A prevenção do suicídio envolve toda uma série de atividades, que vão desde o proporcionar as melhores condições possíveis para criar as nossas crianças e adolescentes, passando pelo tratamento eficaz de perturbações mentais, até ao controle ambiental de fatores de risco. A apropriada disseminação de informação e a consciencialização são elementos essenciais para o sucesso dos programas de prevenção do suicídio. Os suicídios resultam de uma complexa interação de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociológicos, culturais e ambientais. Qual é a relação entre política e saúde mental nesse contexto?
Falamos cada vez mais das formas de adoecimento psíquico no mundo de hoje. Manifestações como ansiedade, depressão, compulsões, burnout, dentre outras, tem aparecido cada vez mais na clínica e nos convocam não somente à escuta do paciente, mas também a buscar entender a configuração social que favorece essas formas de adoecimento. O sofrimento psíquico é uma questão política. Não sofremos somente por questões isoladas; sofremos por uma série de questões históricas, sociais, econômicas, políticas, que nos atravessam o tempo todo e que nem sempre a terapia, por si só, dá conta de resolver.
O adoecimento psíquico é também efeito de como a sociedade é organizada e gerida. A promoção de saúde mental só é verdadeiramente efetiva quando pensamos e buscamos novos modos de organização social e política. É de fundamental importância buscar entender o ambiente e a vivência da pessoa em sofrimento mental a partir do contexto sociopolítico. Desenvolver ações de promoção na comunidade, o encaminhamento para especialistas e a gestão do comportamento suicida são passos importantes na prevenção do suicídio.
O desafio chave de tal prevenção consiste em identificar as pessoas que estão em risco e que a ele são vulneráveis; entender as circunstâncias que influenciam o seu comportamento autodestrutivo; e estruturar intervenções eficazes. Desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida, de educação, de proteção e de recuperação da saúde e de prevenção de danos, estratégias de informação, de comunicação e de sensibilização da sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido e organizar linha de cuidados integrais em todos os níveis de atenção, garantindo o acesso às diferentes modalidades terapêuticas, podem ser diretrizes para a prevenção do suicídio.
No Brasil, temos enfrentado dias difíceis de processar com tantos absurdos como a manipulação, crueldade, mentiras, aumento do acesso à informação sem o discernimento sobre o que é ou não verdadeiro, distorção da fé para justificar a violência, usando da moral para disfarçar o preconceito.
Até pouco tempo, o suicídio não era visto como um problema de saúde pública, e encontrava-se na sombra dos elevados índices de homicídio e acidentes de trânsito, entre as causas externas da modalidade.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 3 mil pessoas por dia cometem suicídio em todo mundo, o que significa que a cada 40 segundos uma pessoa se mata. Os casos de suicídio entre os jovens vem aumentando, sendo uma das três maiores causas de morte entre pessoas de 15 a 35 anos, embora, a maioria dos casos aconteça entre pessoas com mais de 60 anos, tendo como causa mais comum a solidão, a perda dos vínculos, os maus tratos e o abandono.
A prevenção ao suicídio é diferente de tudo o que se ensina na academia. Falamos de uma área na qual a pessoa pode falar que não quer ajuda, não quer falar sobre o assunto, que “só” quer morrer em paz e que não adianta o que diga ou faça. Em um cenário como esse, as cartas podem até ser as mesmas, mas as “regras do jogo” são diferentes. Por isso é extremamente importante que, ao atender uma pessoa com risco de suicídio, independentemente das suas crenças ou abordagens, acolha sem julgamento. Sempre estaremos suscetíveis a essa demanda. O desafio não espera até que você esteja pronto. É preciso alguém que nos proteja de nós mesmos. Que lute por nós, quando nós mesmos já desistimos. Ser rede de apoio de alguém em risco de suicídio, provavelmente tem que lidar constantemente com o medo de que essa pessoa atente contra a própria vida. Socorrer uma tentativa de suicídio é tudo, menos tarefa fácil.
Um dos pontos importantes de prevenção é diminuir o acesso a meios letais, mas sabemos que esse controle nem sempre é 100% possível. Por esses e outros motivos uma tentativa de suicídio costuma gerar muita culpa, medo, angustia. Nem sempre os sinais do sofrimento, risco de suicídio, são claros e não temos controle de tudo. Não precisamos ser forte o tempo inteiro, e nós, também, precisamos de cuidados.
A prevenção do suicídio é um trabalho coletivo, mas é importante deixar claro que escutar as pessoas é uma iniciativa importante, que pode ajudar alguém em sofrimento, ajudando essa pessoa a sentir um alívio necessário para desistir de uma tentativa pontual. Mas antes de puxar uma conversa com alguém que está com algum tipo de sofrimento psíquico, questione-se, está pronto para ouvir o que vier, sem julgar quem está se abrindo com você? Como um relato de ideação suicida, sofrimento psíquico ou trauma mexe com você? Se for preciso falar algo, você já sabe o que falar, ou não falar, em casos assim? Se você se compromete a ouvir alguém, deve escutar como ela se sente, e não tentar convencê-la do que você acredita. Usar a sua experiência como exemplo ou lição só machuca.
Um mês com foco em prevenção do suicídio, pode também ser fonte de sofrimento. Podemos aumentar o sofrimento de alguém que pensa em suicídio, quando incentivamos a buscar ajuda, mas não ensinamos onde encontrar. E o que a política tem haver com isso?
Precisamos lutar pela presença de psicólogos no SUS e no SUAS e psicoterapia disponível para todos. É necessário lutar por um mundo mais justo e menos dolorido. A psicologia é uma das profissões mais procuradas para o tratamento gratuito, isso diz da necessidade do nosso trabalho estar amplamente disponível para a sociedade.
O Setembro Amarelo acaba, mas a Prevenção do Suicídio não pode parar. A dor e o sofrimento psíquicos não escolhem hora para chegar, muito menos um mês.
Por Juliete Barreto
Psicóloga e fundadora do Mobiliza Psi.