O Doutor Araguaia me impressionou muito. Estou louco para assistir de novo. Hoje, na madrugada, preparando para uma corrida e durante ela mesma, o filme era minha companhia. Por isso resolvi fazer esses brevíssimos comentários.
O filme, obviamente, tem como tema a trajetória de um revolucionário, um comunista, um guerrilheiro do Araguaia. Mas eu queria falar de outros aspectos, embora umbilicalmente vinculados à dita trajetória. Acho que a narrativa aponta, do início ao fim, para a constituição de um mito, revolucionário, sim; e que, inclusive, realiza coisas. Como todo mito, este também se constitui de mistérios: o sumiço da cidade de São Leopoldo e do Estado do Rio Grande do Sul; em seguida, o sumiço da cidade de Porto Franco; e, por último, o sumiço do próprio corpo, perpetrado pelos agentes do regime militar.
Mas as surpresas que aparecem na narrativa também ajudam na elaboração do mito. Lembro do relato de Zezinho que se espanta em duas oportunidades: ao ir ao médico e no encontro no aeroporto, se não me engano; a surpresa do noticiário que fala do terrorista gaúcho; a surpresa do reconhecimento do corpo no relato do amigo, já perto do final. E o mito que faz coisas está presente, a meu ver, na emocionante fala da jovem médica sobrinha-neta de Juca, cujo nome não lembro. Aqui, falei de emoção, um sentimento que marca o filme o tempo inteiro, como acontece com todo trabalho de memória.
Nesse tipo de trabalho, o fato, o que realmente aconteceu, é empurrado para o plano secundário. Cede o primeiro plano para os significados atribuídos por quem narra o acontecido. Assim, Juca aparece como tímido, estudioso, inteligente, carismático, portador de uma enorme autoridade moral como comandante guerrilheiro (Genoíno, não usa essas palavras, mas me parece sugerir isso), o amigo a quem todos querem dar o filho para batizar. Todas essas características, significativas para as pessoas com quem ele teve contato ou que dele ouviram falar, a comporem a identidade do personagem. Alguém já disse, na memória “fica o que significa”. Então, foi assim que a passagem de Juca significou para aquelas pessoas. Mas, essa deixei por último: ele não sabia dançar, disse uma senhorinha. Eu ri, ao me lembrar disso. Aqui o nosso mito é totalmente humanizado.
Para encerrar, esses comentários, ditos brevíssimos, lembro da tenacidade (acho que ouvi essa palavra de alguém, nos comentários pós-exibição) de Sônia. Ela também é personagem central e se destaca por isso, a tenacidade na busca, e pelo afeto pelo irmão e pela família.
Uma observação final. Quando parece que os momentos de emoção se passaram, entra Jandira e dá um um soco preciso na cara assassina do Estado brasileiro. Espero, em breve, ver o filme de novo. Gostei demais.